A Guerra na Ucrânia e o jardim estilo francês da União Europeia — “Um intricado jardim chamado Europa”.  Por Rosa María Artal

Nota prévia:

Em 4 de março de 2022 por Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, declarava numa entrevista concedida a PABLO R. SUANZES do jornal El Mundo:

Nós europeus construímos a União como um jardim de estilo francês, ordenado, bonito, bem cuidado, mas o resto do mundo é uma selva. E se não queremos que a selva coma o nosso jardim, temos de despertar“.

Comentando a posição de Borrell, escreve o jornalista Miquel Ramos do jornal Publico.es (original aqui):

As palavras de Borrell sobre o jardinzinho europeu, aquela estância de descanso no meio da selva, são uma demonstração do eurocentrismo e do supremacismo que os velhos e novos fascismos exibem sem pudor, e que na realidade os estados aplicam decorando as concertinas com confetis e serpentinas. Esta ideia de que a civilização ocidental, com a Europa à cabeça, está em perigo, rodeada e perseguida pelos “selvagens” da selva a que Borrell se refere, é o mantra da ultra-direita, que é enunciado sem rodeios, mas que está mais do que institucionalizado”.

Rosa María Artal (original aqui) escreve em elDiário es que o jardim a que se refere Borell é um intrincado jardim chamado Europa em que crescem ervas malignas e a ideologia que ameaça ser dominante é da ultradireita, a marca branca do fascismo.

Face a isto, resolvemos ir à Holanda, famoso como país das túlipas, para melhor ver e imaginar este jardim à francesa de que nos fala Borrel.

Entrámos pela porta que tinha as indicações abaixo, https://www.youtube.com/watch?v=D3v2_HpZWTs, e que vimos nós? Entrem e vejam o que eu vi.

Depois, confundidos e desagradados com o que vimos, pensámos que nos tínhamos enganado na porta ou que nos queriam enganar, uma vez que em vez de um jardim bonito e repousante assistimos a uma luta campal, de sinais bem violentos.

Fomos bater a outra porta, já que a porta acima referida mais parecia a porta de entrada para o Inferno do que para um jardim aprazível. Nesta segunda porta, https://www.youtube.com/watch?v=IHbT9bpiUVY, fomos bem recebidos: deram-nos as explicações e onde as coisas que vimos na primeira porta nos foram bem explicadas.

E ficamos com uma certeza. A certeza descrita por Rosa Maria Artal: a de que no jardim de Borrell há muitas ervas daninhas e talvez ele próprio, seja uma das piores ervas daninhas desse jardim por ele tão elogiado.

Júlio Marques Mota

Coimbra, em 21 de Julho de 2022

 

Hoje publicamos o artigo de Rosa María Artal, “Um intricado jardim chamado Europa”.


Seleção de Júlio Marques Mota e tradução de Francisco Tavares

10 m de leitura

Um intricado jardim chamado Europa

 Por Rosa María Artal

Publicado por  em 5 de Abril 2022 (original aqui)

 

O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, em Bruxelas em 21 de Março de 2022. European Union

 

Guerra com atrocidades e mentiras, com graves danos na extensa onda de choque. As ervas daninhas estão a crescer no jardim europeu e a ideologia crescente é a ultra-direita, o rótulo branco do fascismo.

Ao asseado jardim francês Josep Borrell não param de crescer-lhe plantas tóxicas. Se bem se lembram, o chefe da diplomacia europeia disse na primeira semana de fervor bélico após a invasão russa da Ucrânia que “nós europeus construímos a União como um jardim de estilo francês, arrumado, belo, bem cuidado, mas o resto do mundo é uma selva. E se não queremos que a selva coma o nosso jardim, temos de acordar”. Esta explosão de nacionalismo pan-europeu tão irreal foi chocante – e muito aplaudida de facto.

Apenas um mês depois, a guerra na Ucrânia continua a escalar como esperado cada vez que falam as armas. Com a brutalidade que grassa em massacres impiedosos como em Bucha e em todos os Buchas que foram e serão. Mulheres e raparigas são vítimas de violação a fim de as prejudicar e humilhar como uma parte fixa da guerra. A guerra continua com as suas mentiras e a sua propaganda, os seus teóricos da conspiração e os que se alimentam de tudo isso, que deixam apenas a certeza dos verdadeiros mortos e deslocados e as consequências catastróficas desencadeadas não só para a Ucrânia mas também para a Europa. Tudo sofre, as armas quotizam na nova bolsa de valores – dizem que até o sentimento militarista espanhol está a ser “reavivado” – e, por outro lado, a recuperação da pandemia é absorvida, os preços estão a subir. Em Espanha, como sabem, não sem a ajuda de forças desestabilizadoras.

O jardim tem,desde logo, plantas venenosas, regadas com esmero, em vez de serem removidas como se faz com as ervas daninhas. Surpreendentemente – do ponto de vista da lógica – a ideologia crescente é a da ultra-direita, o rótulo branco do fascismo. Um germe que permeia a história europeia nas suas várias manifestações. Desde os massacres de ganância nas monarquias feudais e monarquias que se protegiam na religião até aos do imperialismo ou dos senhores da guerra locais. Essa mistura de nacionalismos com as suas consequentes rivalidades que irrompeu na Primeira Guerra Mundial e assumiu a forma absoluta de nazismo e fascismo na Segunda Grande Guerra.

A Europa tem focos que funcionam exactamente da mesma forma que os vulcões. O conflito latente e nunca extinto irrompe em fluxos de lava ardente com uma certa periodicidade. Acontece nos Balcãs. Certamente na zona russa. Em Espanha, trabalha por conta própria. De jardim arrumado tem pouco, embora seja verdade que o que hoje se chama União Europeia foi criado para atenuar estas catástrofes e pôr fim aos contínuos conflitos de guerra. Com falhas que minaram o seu objectivo. Nasceu como uma comunidade económica mas não social. Agora parece que a União Militar pode emergir. Uma UE económica e militar.

A Hungria lidera o actual movimento fascista juntamente com a Polónia. A quarta vitória eleitoral de Orbán com uma maioria esmagadora revalida o seu desprezo pelos direitos democráticos – justiça, informação, género e diversidade de orientação sexual – e motivo porque está a ser contestado na UE, mas nunca de forma tão contundente ao ponto de provocar mudanças. A imprensa livre tem sido silenciada e os meios de comunicação social trabalham para elogiar ainda mais o líder ultra. Em Espanha conhecemos este preconceito, levado ao extremo como na Hungria, que tem consequências fatais.

No artigo El gran peligro de Europa es el auge del fascismo, que publiquei em 2015, já se viam as trajectórias impunes que estão a destruir a democracia e que agora encontram mais canais de sucesso e apoio na guerra ucraniana. A violência e o totalitarismo não combatem a violência e o totalitarismo. Ou não para um resultado positivo. Orbán chefiou o tratamento desumano dos refugiados das outras guerras mais abaixo, mais longínquas, mais silenciadas. Também lá estavam verdadeiros jornalistas a contar o que estava a acontecer. Uma delas foi Olga Rodríguez, em crónicas que reflectiam a forma como o fascismo age contra os fracos que considera inferiores: como animais, como manadas de porcos, desse modo eram alimentados por guardas húngaros ao serviço do governo de ultra-direita de Viktor Orbán. E eles não tiveram misericórdia mesmo quando gritavam “Eu tenho um bebé, eu tenho um bebé”. Governo votado nas urnas, como agora, por indivíduos com esse direito. Os condutores de escravos com máscaras antes da pandemia.

E esse vírus, o fascismo, não foi combatido. E Orbán, o melhor aliado de Putin, ainda lá está, um paradoxo se olharmos para ele. Ele não permite a passagem de armas pela Hungria, diz ele, para não entrar no conflito, apesar de pertencer à NATO. Ele afirma ter ganho à esquerda e à imprensa internacional, aos burocratas de Bruxelas e a Zelenski. Vox em Espanha, Le Pen em França e Salvini em Itália felicitam-no. Orbán, convidado de luxo dos ultras espanhóis na sua cimeira internacional em Madrid. Aqueles que sonham com os mesmos objectivos, e são apoiados pelos mesmos eleitores e promovidos a um governo pelo PP que agora já é bom, muito bom, com Feijóo. Mesmo para formar uma coligação ou apoio mútuo com o PSOE de Sánchez porque, segundo os seus escribas, esse é o objectivo do novo líder popular: expulsar Podemos do governo. Para pôr fim às “derivas” sociais na política, será. 

Em França, as eleições presidenciais dentro de duas semanas deverão deixar Emmanuel Macron e Marine Le Pen na segunda volta. Cerca de cinco pontos separam-nos nas sondagens. A extrema-direita está a fechar a lacuna. Resta saber para que lado irão os votos dos nove candidatos excluídos. A chamada “peste castanha” está a crescer, mas não em todos os países. O suficiente para ser uma ameaça para a democracia que temos.

Zelenski, o presidente da Ucrânia, fala ao Congresso espanhol depois de passar pelos Grammys para pedir ajuda e pelo Conselho Geral da ONU. Putin não procura a paz, diz ele. As sanções devem ser duras. Parem de fazer negócios com a Rússia. Como mensagens. E ele cita Porcelanosa e Maxam. E evoca também esse dia em 1937, quando Gernika foi bombardeada. Sobre estes últimos dois últimos pontos, foi notado desconforto em alguns deputados. É uma espécie de visita rápida. E também deixa um sabor a palco quando os mortos estão no chão e os refugiados vagueiam por aí com a bagagem reduzida em que estão agora a concentrar as suas vidas.

Uma Europa convidada, sem voto no assunto, para se juntar à contenda entre os EUA e a Rússia sobre a Ucrânia, não encontra a unidade que afirma procurar para travar a guerra que nunca deveria ter começado, e muito menos ser estimulada. Os interesses nacionais sobrepõem-se. No final é a UE como de costume, com mais vontade mas sem a rotundidade que tal momento exige. 

Borrell continuou a dizer nesses primeiros dias de Março perante o Parlamento Europeu e em várias declarações: “Até agora, a Europa deu a volta ao mundo com o ramo da oliveira a pregar os direitos humanos e o Estado de direito pensando que levaria a regimes semelhantes aos nossos” e que este era um conto de mil e uma noites e que recordariam “aqueles que neste momento solene não estão ao nosso lado”.

Uma guerra com atrocidades e mentiras, com graves rupturas na extensa onda de choque. Fascistas de todos os lados confrontados com a sua grande oportunidade de tirar partido. Borrell concluiu o seu discurso parlamentar dizendo: “Este momento deve incitar-nos a unir-nos mais para enfrentar as acções humanas que ameaçam a vida, a segurança e a prosperidade de todos”.

Exactamente, que seja fascismo, desumanidade, ganância, e a escalada desenfreada da violência.

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A autora: Rosa María Artal [1949-], jornalista e escritora. Com uma extensa carreira na RTVE, como apresentadora de notícias e repórter do Informe Semanal. Correspondente do El País em Aragão. Coordenou os livros Reacciona (2011) e Derribar los muros (2019), e é também autora de La energía liberada e La Bolsa o la vida, sobre a crise do coronavírus. Tem sido colunista de elDiario.es desde o seu início.

 

 

 

 

 

 

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